sexta-feira, 3 de setembro de 2010

POR QUE ESCREVEM OS ESCRITORES? - 3 HIPÓTESES EM VOZ ALTA

1.


[ler na voz desesperada, angustiada, atropelada, patética, do romantismo aristocrático:]

Por que escreve o escritor? Freqüentemente porque é covarde demais para viver, Pessoa que em razão de complicações psíquicas, de uma inadaptação às lides práticas do mundo etc, procura justificar a seqüência de erros que constítui sua vida através de um elemento redentor: a obra. Assim o desprezo dos homens e mulheres comuns, que o escritor recebe ao demonstrar talvez uma sensibilidade de frouxo, ou mesmo o temor e desconforto que seu evidente desequilíbrio mental despertam no meio do povo; estes sofrimentos procuram ser recompensados por ele no exercício de uma atividade de alto risco e nobreza, como a poesia. A poesia lhe dá uma agradável sensação de poder, sensação que não extrai de sua vida, a qual ele mal pode governar e encontra-se geralmente marcada pelo descontrole e tirania das paixões violentas. No caso de sujeitos que além de atormentados pela própria monstruosidade de pensamentos criadores, são também tímidos e impotentes, nota-se muitas vezes uma maior radicalidade, uma virilidade brutal na prosa ou nos versos: invoco nietzsche como exemplo.

2.

[ler na voz irônica, piadista, barriguda, com breques do cinismo dominical pequeno-burguês:]

Outro dia eu vi um escritor na televisão, tranqüilamente orgulhoso de sua obra consolidada, de seus trezentos mil exemplares em diversas linguas, algumas esquisitas como o finlandês e o árabe. O escritor falava emoldurado por objetos de artesanato brasileiro de evidente bom gosto, o fundo da tela inteiramente tomado por prateleiras: homens importantes gostam de ser entrevistados diante de seus livros. Passou-me pela cabeça o trabalhão que a empregada deve passar pra espanar tanto pó que aquela tralha toda junta. (A faxineira no ônibus, na longa viagem de ônibus que certamente separa sua casa daquela em que o escritor mora e concede entrevistas, voltando do serviço em companhia talvez da empregada do vizinho do escritor, “guria, tu não faz idéia de como tem livro na casa daquele homem, minha nossa senhora!” vagamente orgulhosa por trabalhar para alguém tão importante: embora não exatamente famoso).

3.

[ler na voz pedante, empolada, professoral, pausada, discurso-analítica da erudição impotente:]

A época burguesa atribui ao indivíduo a potência criadora, aumentando consideravelmente a pressão psicológica sobre o artista que, antes disso, era em grande medida somente o meio pelo qual a sociedade expressava sua voz, e não a própria voz de sua época. Os poetas latinos e gregos haviam sido civilizadores, transmitindo valores amplamente aceitos pelos seus pares, ou seja, nunca foram criadores na acepção moderna do termo. O valor de uma obra não se baseava, como hoje, na noção algo vaga de “originalidade” do artista, e sim na fidelidade com que se reproduzia a tékhne. A poesia moderna, iniciada pelos românticos alemães e pelos dramaturgos elizabetanos, é filha desta nova concepção de artista genial além, é claro, das necessidades geradas pelo cultivo do ócio pela burguesia ascendente, a que se seguiu a alfabetização sem precedentes de amplos setores da sociedade (incluíndo as mulheres e os trabalhadores) devido à revolução industrial. E como a escrita agora ganha o caráter de uma atividade do indíviduo solitário, a biografia passa a ser importante e a formar parte da obra, e é possível mesmo que muitos escritores escrevam por vaidade somente, pelo desejo vago de virar biografia, de se tornar vedete espetacular, e para que o impulso infantil que sentem de chamar a atenção do mundo para os sentimentos do seu umbigo seja plenamente realizado.

Um comentário:

  1. Podecray zis, zogado!! A gravidez é inspiradora! hauhuaha... Adorei as chamadinhas que distinguem cada uma das perspectivas... Fe no me nal... hauhauahuaa...

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