Walter Benjamin
Esta história não é minha. Prefiro não me pronunciar quanto a ser ou não o pintor Eduard
Scherlinger, que vi pela primeira e pela última vez na tarde em que a contava, um grande narrador;
pois nesta época de plagiadores há sempre um ouvinte propenso a atribuir a alguém uma história de
que se acaba de anunciar a fiel repetição. O facto é que a ouvi certa tarde num dos poucos lugares
clássicos que Berlim ainda tem para oferecer a contadores e ouvidores de histórias: Lutter &
Wegener.
Sabia bem estarmos sentados à mesa redonda da nossa pequena sociedade. A conversa, porém,
há muito tinha morrido, apenas se mantendo, mortiça e abafada, em grupos de duas ou três pessoas
sem que uns chamassem a atenção dos outros. No meio de uma questão que nunca cheguei a saber
qual fosse, o meu amigo, o filósofo Ernst Bloch, deixou cair um comentário: dizia ele que toda a
gente já esteve pelo menos uma vez na vida à beira de se tornar milionário. Houve risos. A frase foi
tomada como um dos seus paradoxos. Todavia, seguiu-se algo de estranho. Quanto mais
discutíamos esta afirmação, mais ela nos prendia, nos ocupava, até que, um após outro, acabámos a
reflectir em que momento das nossas vidas havíamos estado mais perto de deitar a mão a esses
milhões. Entre as histórias que então vieram a lume, uma das mais curiosas foi a do já desaparecido
Scherlinger que tentarei contar com as suas próprias palavras.
Começou assim:
Como, por morte do meu pai, me chegou às mãos uma fortuna nada pequena, antecipei a minha
viagem a França. Acima de tudo, sentia-me feliz por, ainda antes de fazer trinta anos, ir conhecer
Marselha, a pátria de Monticelli, a quem a minha arte tanto devia, para não falar de tantas outras
coisas de interesse na cidade. Depositei a herança num pequeno banco privado que durante anos
tinha aconselhado satisfatoriamente o meu pai. O seu jovem director, pessoa com quem mantinha,
se não uma grande amizade, pelo menos excelentes relações, comprometeu-se a dedicar particular
atenção ao meu depósito durante a minha longa ausência, bem como a contactar-me de imediato,
caso surgisse uma boa possibilidade de investimento.
– Basta-te deixar-nos uma procuração concluiu.
Olhei-o, sem compreender.
– Podemos também executar ordens por via telegráfica, mas temos que nos prevenir contra mal-
entendidos – esclareceu. – Imagina que te enviamos um telegrama e este cai nas mãos erradas.
Obviamos a este caso combinando um nome secreto que tu utilizarás nas tuas ordens telegráficas em vez do verdadeiro.
Compreendi, mas fiquei por momentos perplexo. Não se muda assim de nome como quem muda
de camisa. Nomes, são aos milhares. A ideia de que qualquer um serve entrava a escolha e torna
ainda mais aguda a sensação – primeiro oculta, depois pouco perceptível – de ser inevitável mas
difícil de seguir. Como um jogador de xadrês que se tivesse retraído e preferisse deixar tudo como
está mas, chegada a sua vez, opta por avançar uma peça, eu disse:
– Braunschweiger.
Não conhecia ninguém com esse nome nem sequer a cidade cujos naturais designa.
Por volta do meio-dia de um asfixiante dia de Junho, depois de quase quatro semanas de
repouso
em Paris, desembarquei na Gare Saint Louis, em Marselha. Os amigos tinham-me recomendado
o Hotel Regina, perto do porto. Tinha muito tempo para ir lá registar-me e até para ver se o
candeeiro da mesa de cabeceira e as torneiras funcionavam. Pus-me a caminho. Tratando-se da
minha primeira visita à cidade, era necessário seguir as minhas velhas normas de viagem: ao
contrário da maioria dos viajantes que, mal chegam, logo se dirigem ao centro de uma cidade
estrangeira, vou primeiro reconhecer os arredores, os subúrbios. Em breve verifiquei a validade
deste princípio. Nunca uma primeira hora me tinha sido tão compensadora como esta passada entre
o molhe, as docas, os armazéns, e os bairros pobres, arruinado refúgio da miséria. Os bairros de
cintura da cidade são o seu lado incaracterístico, a arena onde ininterruptamente se travam batalhas
decisivas entre cidade e campo. E em lado algum são mais encarniçadas essas lutas do que entre
Marselha e a Provença rural. É a grande luta entre postes telegráficos e ágaves, entre o arame
farpado e os espinhos das palmeiras, entre as espessas colunas de vapor pestilento e os frondosos e
recatados bosques de plátanos, entre as longas escadas e as imponentes colinas. A comprida Rue de
Lyon é como que um rastilho de pólvora que Marselha estendeu até ao campo para rebentar com ele
em Saint-Lazare, Saint-Antoine, Arenc, Septèmes e deixá-lo juncado de envólucros de granada,
com toda a espécie de marcas e nomes: Alimentation Moderne, Rue de Jamaïque, Comptoir de la
Limite, Savon Abat-Jour, Minoterie de la Campagne, Bar du Gaz, Bar Facultatif. A cobrir tudo, a
camada de pó que aqui é feita de salitre, cal e mica. Prosseguindo por fora dos longos cais a que só
os grandes transatlânticos atracam, sob os raios ardentes de um sol quase a pôr-se por entre as
ruínas dos alicerces que, à esquerda, assinalam a cidade velha e as colinas e pedreiras nuas à direita,
chega-se ao Pont Transbordeur que fecha o antigo porto, o quadrado que desde o tempo dos
Fenícios mantém, como uma praça forte, o mar à distância.
Prossegui, solitário, o meu caminho até aos bairros mais populosos, pois senti-me arrastado pelo
vaivém constante dos marinheiros em dia de folga, dos trabalhadores portuários de regresso ao lar,
donas de casa a passear, rodeadas de crianças, percorrendo cafés e lojas para irem perder-se nas transversais, pois só alguns oficiais de marinha e flaneurs como eu continuavam até à rua principal,
a rua do comércio, da finança e dos turistas: La Cannabière. Em todas as lojas, de uma ponta à
outra do porto, expunham-se montanhas de «souvenirs». Forças sísmicas tinham conseguido
congregar uma amálgama de vidraria, calcário e conchas e esmalte transformados em tinteiros,
pulverizadores, âncoras, termómetros de mercúrio e sereiazinhas. Parecia-me que uma pressão de
milhares de atmosferas comprimia e empilhava e dobrava estas representações do mundo, a mesma
força com que as mãos rudes da gente do mar agarram as coxas e os seios das mulheres depois de
uma longa viagem; e parecia-me a volúpia com que o interior de veludo vermelho ou azul se
destaca no meio das pedrarias das caixinhas de conchas, para costura ou jóias, a mesma com que os
moços festejam o dia de receber.
Imerso nestes pensamentos, fui deixando para trás La Cannabière; quase sem dar por isso,
passei pelas janelas gradeadas do Cours Puget e dei comigo sob as árvores da Allée de Meilhan. E
então o acaso – que sempre guia os meus primeiros passos numa cidade – levou-me à Passage de
Lorette, o pequeno pátio de acesso à morgue da cidade onde alguns homens e mulheres assistem,
sonolentos, ao que parece ser o mundo inteiro transformado numa tarde de Domingo. Apoderou-se
de mim essa mesma tristeza que ainda hoje prezo na luz dos quadros de Monticelli. Creio que, em
momentos destes, o forasteiro que por eles passa acede a algo normalmente reservado aos
habitantes de uma cidade. Sendo a infância a fonte da melancolia, para se entender a tristeza que
emana das cidades buliçosas e animadas é preciso ter crescido nelas.
Daria – continuou Scherlinger, sorrindo – uma bonita pincelada romântica descrever agora como
arranjei o haxixe numa duvidosa taberna do porto pela mão de um árabe, fogueiro a bordo de um
navio ou talvez estivador no cais. Mas não posso permitir-me o artifício, pois talvez eu fosse mais
esse árabe do que o forasteiro cujo caminho ia dar à taberna. Na realidade, levo sempre haxixe nas
minhas viagens.
Não creio que, chegado ao meu quarto, por volta das sete, fosse o desejo subjacente de mitigar a
minha tristeza o que me levou a ir ter com o haxixe. Foi muito mais a intenção de me abandonar à
mão mágica com que a cidade mansamente me agarrara pela nuca. Entreguei-me ao veneno, repito,
não à maneira de um principiante; mas, fosse a quase permanente saudade deprimente da minha
terra, as más companhias ou os lugares pouco recomendáveis, nunca até então me sentira bem-
vindo no ambiente dos iniciados, que conhecia perfeitamente dos seus testemunhos, desde Os
Paraísos Artificiais de Baudelaire até Lobo das Estepes de Hesse. Estendi-me na cama, li e fumei.
Na minha frente, para além da janela; uma dessas ruas sombrias e estreitas do bairro do porto que
parecem golpes de faca no corpo da cidade. Obtive então a certeza absoluta de que naquela cidade
de centenas de milhar de habitantes onde ninguém me conhecia podia entregar-me ao meu devaneio
sem ser incomodado. Mas o efeito tardava a surgir. Já tinham passado três quartos de hora e eu começara a desconfiar da qualidade da droga. Tê-la-ia eu guardado durante demasiado tempo? De
repente, uma pancada forte na minha porta. Nada seria mais incompreensível. Mortalmente
assustado, não fiz o menor esforço para ir abrir, apenas indaguei o que era, sem sequer mudar de
posição.
– Um cavalheiro que deseja falar-lhe – disse o criado.
– Mande entrar – respondi.
Faltou-me presença de espírito, ou coragem, para perguntar o nome. Deixei-me ficar recostado
contra a cabeceira da cama, com o coração a bater forte, olhos postos na porta entreaberta até que
nela se recortou uma farda. O «cavalheiro», era um boletineiro. «Recomendamos compra 1000
Royal Dutch Sexta-feira primeira emissão. Telegrafe resposta.»
Vi as horas. Eram oito. Um telegrama urgente chegaria ao meu banco em Berlim no dia
seguinte, o mais tardar. Despedi o boletineiro com uma gorjeta. Comecei a sentir-me
alternadamente inquieto e descontente. Inquieto, por me vir cair em cima um negócio, uma
responsabilidade, logo naquele momento; descontente, pelo tempo que demorava a sentir os efeitos.
A melhor coisa a fazer pareceu-me ir imediatamente aos correios que sabia estarem abertos, para
telegramas, até à meia-noite. Estava fora de dúvida aceitar a proposta que o meu homem de
confiança me fazia com tanta certeza. No entanto, preocupou-me a possibilidade de, se esperasse
pelo efeito do haxixe, esquecer o código convencionado. O melhor era, portanto, não perder tempo.
Enquanto descia a escada, fui recordando a última vez que fumara haxixe – há já alguns meses –
e como me tinha sido impossível saciar a fome terrível que mais tarde me atacara no quarto. Para o
que desse e viesse, decidi comprar uma barra de chocolate. Avistei ao longe uma montra cheia de
caixas de bombons, de papel de estanho a brilhar e de belas pilhas de bolos. Entrei na loja e fiquei
admirado. Não se via ninguém. Mas mais espantado fiquei ao ver a estranha cadeira de enorme
espaldar perante a qual tive, bem ou mal, que admitir que os marselheses tomavam chocolate do
alto de cadeiras do trono que faziam lembrar as cadeiras articuladas para cirurgia. Só então veio a
correr do outro lado da rua o dono do estabelecimento, de bata branca e eu só tive tempo para me
subtrair, com sonoras gargalhadas, à sua oferta de me fazer a barba ou de me cortar o cabelo.
Reconheci pela primeira vez que o haxixe já há muito começara a fazer o seu trabalho, facto do
qual, se não me bastasse ter transformado pulverizadores em caixas de bombons, estojos de níquel
em barras de chocolate, perucas em bolos, as minhas próprias gargalhadas me teriam alertado, pois
é sabido que é com gargalhadas, ou então com um riso mais silencioso e interior, que o fumo
começa por actuar. E então reconheci-o também na interminável suavidade do vento que do outro
lado da rua agitava as franjas nas marquises.
Logo a seguir, veio a premente necessidade de aproveitar o espaço e o tempo que sente o
fumador de haxixe. Como é sabido, é absolutamente imperiosa: para quem fumou haxixe, Versailles não é lá muito grande e a eternidade dura-lhe pouco. E à profundidade destas dimensões que a vida
interior, a durée absoluta e o espaço incomensurável adquirem, não tarda a seguir-se um sorriso
prazenteiro, antecipando uma disposição maravilhosa que a imensa incerteza de tudo quanto existe
torna ainda mais beatífica.
Sentia, pois, tal ligeireza e certeza no andar que o empedrado irregular da grande praça que
atravessava me parecia o pavimento de uma estrada pela qual eu, vigoroso caminheiro, passeava à
noite. No fim desta praça, porém, erguia-se um feio edifício de arcadas simétricas com um relógio
luminoso na fachada: os correios. Feio, digo eu agora; nessa altura, não pensava assim. E isto não
apenas porque quando se fuma haxixe nada parece feio, mas sobretudo porque tive a sensação de
que aquele escuro posto de correios, à espera, à minha espera, com todos os seus receptáculos e
cacifos prontos para receberem e transmitirem a inequívoca ordem, poderia fazer de mim um
homem rico. Não conseguia tirar dele os olhos, sentia que teria sido fatal passar demasiado perto do
prédio e não reparar na sua fachada e, sobretudo, no disco luminoso do relógio. Mesmo ali à direita,
dispunham-se no escuro as mesas e cadeiras de um bar, pequeno, mas com ar verdadeiramente
suspeito. Embora ficasse bastante afastado dos quarteirões marginais, não se viam lá burgueses;
quando muito, e para além do proletariado portuário, um par de outros taberneiros das redondezas.
Ali tomei assento. Era o último naquela direcção, ainda podia lá ir sem perigo e, graças ao fumo,
para lá me dirigi com a mesma segurança com que uma pessoa morta de cansaço consegue encher
até cima, sem derramar uma gota, um copo de água, coisa que para uma outra com os sentidos
alerta é bem difícil. Mal comecei a sentir-me tranquilo, veio o haxixe fazer das suas, com uma
energia primitiva como nunca tinha sentido. Entre outras coisas, transformou-me em fisionomista.
Eu, que tenho dificuldades em reconhecer amigos de toda a vida, em reter na memória umas
feições, obstinei-me em fixar os rostos que me rodeavam por duas razões: não queria atrair sobre
mim os seus olhares nem suportava a sua brutalidade. Passei a compreender porque é que para um
pintor – não ocorreu o mesmo a Leonardo e a tantos outros? – a fealdade que resulta das rugas, dos
olhares, dos rostos, pode parecer o verdadeiro reservoir da beleza, uma arca do tesouro, uma
montanha mágica aberta que deixa brilhar todo o ouro do que é belo no mundo. Recordo em
particular o rosto extremamente animal de um homem comum, no qual julguei vislumbrar num
repente as «rugas do conformismo». Os rostos dos homens eram os que mais me fascinavam. Fui
completamente apanhado pelo jogo de descobrir em cada rosto que assomava de novo o de alguém
conhecido que umas vezes sabia quem era, outras me escapava. A alucinação foi-se, como as dos
sonhos, sem retraimento ou embaraço, antes alegre e amistosa como uma criatura que tivesse
cumprido a sua obrigação. O meu vizinho, de aparência pequeno-burguesa, mudava constantemente
o aspecto, a expressão, o conjunto do seu rosto. O seu corte de cabelo, as armações escuras dos
óculos, conferiam-lhe um ar ora severo, ora amistoso. Dizia para mim próprio que era impossível ele mudar com tal rapidez, mas não adiantava nada. Tinha já muitas vidas dentro de si, pois saltou
de repente para estudante de uma pequena cidade do leste. Tinha um quarto bonito e bem decorado.
Perguntei-me: onde terá este jovem adquirido tanta cultura? Que fará o seu pai? Loja de atoalhados
ou armazém de cereais? De repente, fiquei a saber: – Isto é Myslowitz! Levantei os olhos. E lá
estava, do outro lado da praça, não, mais longe, no extremo da cidade, o liceu de Myslowitz, e nos
ponteiros do relógio – com que então tinham parado, não andavam – pouco passava das onze. A
aula devia já ter começado. Mergulhei completamente nesta imagem, sem qualquer razão para tal.
As pessoas que ainda há momentos – ou terá sido há duas horas? – me fascinavam, tinham
desaparecido. «De século para século, tudo fica mais estranho», foi o que me passou pela cabeça.
Hesitei bastante antes de provar o cassis. Tinha pedido meia garrafa e o cassis é uma bebida
seca. No copo nadava um cubo de gelo. Não sei quanto tempo fiquei a seguir-lhe os desenhos; sei
que quando voltei a olhar para a praça verifiquei que lhe tinha dado para se pôr a mudar, ela e tudo
quanto tinha dentro, como se quisesse desenhar uma figura que, quando vista demoradamente, nada
tinha a ver com ela mas antes com o que faziam os grandes retratistas do século XVII que,
conforme o carácter do modelo, o situavam diante de uma colunata ou de uma janela e assim
destacavam a janela.
De repente despertei, excitado, do mais profundo alheamento. Fez-se luz dentro de mim e só via
uma coisa: o telegrama. Tinha que ser imediatamente expedido. Para me manter desperto, pedi um
café simples. Começou a parecer-me uma eternidade, o tempo que o criado levava a trazer o café.
Peguei ansiosamente na chávena, cujo aroma me subia pelo nariz; de repente, parei a minha mão –
para minha surpresa; ou por causa da minha surpresa, quem saberia? – a escassos centímetros dos
lábios. Mal o embriagador aroma do café me chegou ao nariz, logo adivinhei a pressa instintiva do
meu braço e lembrei-me de que esta bebida constitui para todo o fumador de haxixe o cúmulo do
prazer, pois não há nada como ela para intensificar o efeito da droga. Por isso quis deter-me e
detive-me. A chávena não chegava aos lábios. Mas também não regressou ao pires. Ficou suspensa
no ar, segura pelo meu braço que começava a insensibilizar-se e a sustinha, rígido e morto, como se
de um emblema, de uma pedra sagrada ou de uma relíquia se tratasse. Os meus olhos pousaram-se
nas pregas das minhas calças de praia e viram nelas as rugas de um albornoz; olhando para a minha
mão, vi-a morena, etíope, e enquanto mantinha os lábios fortemente apertados a recusar a bebida e a
palavra, um sorriso ia subindo até eles, um sorriso altivo, africano, sardanapálico, o sorriso de um
homem capaz de penetrar o concerto do mundo e o destino, para quem as coisas e os nomes não
encerram qualquer segredo. Dei comigo ali sentado, moreno [braun] e taciturno [schweigend]:
Braunschweiger. Acabava de conhecer o sésamo deste nome que devia ter em si as maiores
riquezas. Com um sorriso de compaixão, pensei pela primeira vez nos habitantes de Braunschweig,
a viver tristemente na sua cidadezinha do interior, totalmente ignorantes das forças mágicas contidas no seu nome. Neste ponto, abateram-se sobre mim, como um coro festivo, as badaladas da
meia-noite de todas as torres de igreja de Marselha.
Ficou mais escuro quando fecharam o bar. Vagueei sem rumo pelos paredões, lendo um após
outro os nomes dos barcos ali amarrados. Invadiu-me então uma inexplicável alegria e sorri à lista
dos nomes de mulheres de França que ia vendo: Marguerite, Louise, Renée, Yvonne, Lucille.
Revelavam-me o amor com que eram pronunciados os nomes destes barcos, maravilhoso, belo,
comovente. Junto ao último havia um banco de pedra. – Banco – disse para mim próprio, achando
mal que o nome me aparecesse a dourado com fundo negro. Foi a última ideia que me cruzou a
cabeça com nitidez naquela noite. As seguintes foram-me sugeridas pelo título dos jornais, quando
o sol forte me despertou num banco junto ao mar:
«Sensacional alta na Royal Dutch».
– Nunca me, tinha sentido – concluiu o narrador – tão leve, lúcido e alegre depois de ter fumado.
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