Faleceu nesta data, 20/08/2010, o ator e anarquista Francisco Cuberos Neto. Sapateiro na juventude, em 1940 Cuberos torna-se militante do Centro de Cultura Social onde conhece o anarquista e ensaísta Pedro Catallo que o apresenta ao teatro operário; torna-se rapidamente um dos principais articuladores do núcleo de teatro do CCS, o ?Laboratório de Ensaio?.
No CCS, Cuberos viveu intensamente; ali conheceu Maria Martinez Jimenez, companheira de toda vida, e ali celebraram sua união. Mesmo afastado, o CCS jamais perdeu o alegre traço da sua militância.
Cuberos morreu aos 86 anos. Quem o conheceu carrega a delicada imagem que dele fizera seu irmão Jaime: ?Passageiro de um barco sem ponto de saída nem ponto de chegada, /homo viator/ em busca permanente da superação?.
Alberto Centurião
Eu, Ator E Anarquista
Através do teatro libertário, cheguei ao anarquismo. Ao tanger, compreender e sentir a mais elevada concepção de vida social e humana que as utopias projetaram, compreendi e senti quão nobre, generosa e emancipadora é a missão do ator.
Todas as injustiças, todas as misérias da sociedade em que vivemos com seus privilégios e ambições de poder, todas as paixões que emergem da intensa gama de contradições que refletem o comportamento e a psicologia humana, desfilam pelos textos representados no teatro. Esta complexa realidade é assumida pelo ator que, através de suas personagens e de suas interpretações, passa para o público mensagem que pode ser transformadora quando desperta uma centelha de revolta, que consola quando transmite um sentimento de solidariedade, de esperança e de bondade, que pode provocar o riso e a alegria mas que terá sempre uma perspectiva política.
Para mim o teatro tem uma essência libertária e o ator, mesmo sem uma adesão racional é, em certo sentido, anarquista. O ator tem que compreender e sentir a realidade em que vive e será mais livre, na medida em que suas decisões forem pessoais. Isso dependerá de seu desenvolvimento intelectual e afetivo e do fortalecimento de sua vontade, será o resultado de todo um processo educativo, político, físico, intelectual, afetivo e volitivo. Sua liberdade é relativizada pela convivência e interação com os outros. Ser livre não é fazer tudo o que ser quer, mas querer tudo o que se faz.
Ao adotar um padrão de valores onde todos os interesses se subordinam a princípios éticos e a liberdade fundamental, a solidariedade, constituindo-se em premissa básica para o desenvolvimento do potencial criativo do ser humano (um dos aspectos mais gratificantes da vida), me posiciono contra as instituições opressoras. Sou contra o Estado e os organismos que o sustentam com todas as suas imposições: o voto obrigatório, o serviço militar obrigatório e as mil sujeições obrigatórias. Sou contra todas as castrações, limitações e restrições que anulam a personalidade humana. Como anarquista, sou contra os organismos que sustentam e reproduzem um sistema de exploração e opressão do homem: partidos políticos, com a imbecilidade caricata de seus profissionais; instituições militares, policiais, judiciais, educacionais e religiosas a serviço de um sistema que corrompe e ofende a dignidade humana. Como ator, penso no teatro como um agente de transformação e não reprodutor de uma sociedade dirigida contra as mais legítimas aspirações do homem. Penso na mensagem poderosa que o teatro sempre transmitiu, na consciência crítica que o forma, através da história, desde a Grécia até a modernidade. Penso em Ésquilo, Sófocles e Eurípedes; Shakespeare, Moliére e Ibsen; Tchekhov, Brecht, Lorca e tantos outros que refletiram os conflitos humanos de suas épocas, com tragédias, dramas, comédias, mas também transmitiram o universal da existência humana. O ator foi sempre o porta-voz da mensagem, dando significado a seu texto, na medida da consciência de sua realidade e de sua perspectiva futura.
Para mim, ator e anarquista, a maior gratificação, a grande recompensa de cada instante de minha existência é o júbilo que a busca permanente das possibilidades humanas proporciona. A limpidez da alma na busca da superação, transmitindo o otimismo de um peregrino do ideal, de um militante da alegria, contente de viver, de estar no meio da procela, porque ainda há muito amor entre os homens.
Cuberos Neto
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