Por Joaquim Francisco de Carvalho e Ildo Luís Sauer (Do Valor de 04.10.2011)
Imagens colhidas de satélites meteorológicos mostram que o clima da Amazônia exerce forte influência sobre os regimes hidrológicos e pluviométricos de toda a América do Sul, e garante a estabilidade climática, fluvial e pluviométrica – portanto, a sustentabilidade da agricultura – de todo o Brasil.
Assim, a Amazônia vale pela importância de seus próprios ecossistemas. Enquanto não se acumularem e testarem suficientes conhecimentos científicos e técnicos sobre os intrincados ecossistemas regionais, a Amazônia deve ser mantida em sua integridade, evitando-se, principalmente, a pecuária extensiva, a ampliação de monoculturas de exportação (soja, milho etc.), a exploração madeireira e a implantação de novos projetos de mineração.
Apesar da polêmica desencadeada pelas organizações ambientalistas, a alternativa mais interessante para se desenvolver a Amazônia, mantendo a sua integridade, seria a de aproveitar o potencial dos recursos naturais renováveis da região, com projetos de turismo ecológico, extrativismo e geração de energia elétrica. Além de serem excelentes geradores de empregos e uniformizarem a distribuição de renda na região, o turismo ecológico e o extrativismo dependem da integridade do ecossistema.
Quanto è geração de energia elétrica, a Amazônia tem um dos maiores potenciais do mundo e, mediante políticas inteligentes e rigorosamente aplicadas, as empresas públicas e o empresariado do setor de geração elétrica deverão se transformar nas maiores defensoras do ecossistema amazônico. Alterações causadas por desmatamentos para abrir terrenos para plantações de soja e milho, criação de gado, projetos de exploração mineral e outros comprometerão o potencial hidrelétrico, inviabilizando as próprias usinas.
De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o potencial hidrelétrico brasileiro é de 268 GW, dos quais apenas 30% estão em aproveitamento. A região amazônica detém 65% do potencial não aproveitado.
Admitamos que, por motivos de caráter social e ambiental, os planos de expansão do sistema elétrico sejam reformulados, para se limitar em 80% o potencial hidrelétrico a aproveitar na Amazônia – e que as hidrelétricas a serem implantadas naquela região alaguem 0,2 km2 /MW. O que é uma hipótese conservadora, pois a maioria dos aproveitamentos existentes em outras regiões e em construção, na própria Amazônia, apresenta uma relação bem menor entre área inundada e potência instalada. Neste caso o aproveitamento do potencial hidrelétrico amazônico ocuparia cerca de 0,4% da área da região, ou seja, menos do que os grandes projetos agrícolas ou de pecuária.
Mesmo assim o Brasil poderá adicionar uma capacidade hidrelétrica de 148,7 GW aos 79,3 GW já instalados. Somando-se a isto os 17 GW das pequenas hidrelétricas, teremos uma capacidade hidrelétrica total de 245 GW.
No entanto, as ONGs ambientalistas optam por uma posição fundamentalista, baseada no dogma de que a Amazônia é intocável. É certo que os ecossistemas amazônicos são delicados, mas isso não significa que ficarão estacionados em sua condição primordial, se é que se possa falar em condição primordial de sistemas que se vêm alterando desde a origem, como todos os ecossistemas terrestres.
Com ou sem hidrelétricas, os povos indígenas (que fazem parte do ecossistema amazônico) vão continuar com as derrubadas e queimadas de matas, tradicionais em sua agricultura. E ainda há as mineradoras, o agronegócio e os pecuaristas, sobre os quais as ONGs ambientalistas ficam silenciosas, preferindo vociferar contra o aproveitamento do potencial hidrelétrico, que poderá dar ao Brasil um sistema elétrico limpo e sustentável.
A interligação do sistema hidrelétrico com o sistema eólico permitiria que parte da energia gerada pelas centrais eólicas ficasse “armazenada”, na forma de água acumulada nos reservatórios hidrelétricos – de maneira semelhante às malhas termo-eólicas de alguns países europeus, nas quais a energia dos parques eólicos permite que se economize gás natural ou óleo combustível. Segundo o Centro de Pesquisas em Energia Elétrica da Eletrobras, o potencial eólico brasileiro (com turbinas em torres de 50 metros) é de 143 GW. Note-se que, com torres mais altas, o potencial é maior.
O sistema hidroeólico poderia operar em sinergia com usinas termelétricas a biomassa, pois a frota automotiva brasileira é em grande parte alimentada com etanol, forçando a produção do bagaço de cana em escala suficiente para alimentar termelétricas de pequeno e médio porte, totalizando, em conjunto, uma capacidade da ordem de 15 GW, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
Assim, aproveitando apenas fontes primárias limpas e renováveis, o sistema interligado hidroeólicobiotérmico teria uma capacidade conjunta de 403 GW, podendo gerar 1.589 GW por hora firmes por ano, admitindo-se, conservadoramente, que o fator de capacidade do sistema integrado será igual à média ponderada dos fatores de capacidade de cada sistema isoladamente, que é 0,45.
Por outro lado, de acordo com o IBGE, a população brasileira deverá se estabilizar em 215 milhões de habitantes, por volta do ano 2040, de modo que o sistema integrado hidroeólicobiotérmico teria um potencial suficiente para oferecer à população 7.390 kWh por habitante por ano, equiparando o Brasil a países de alto nível de qualidade de vida, tais como a França, a Alemanha e a Grã-Bretanha.
A reserva de segurança do sistema hidroeólicobiotérmico seria constituída pelas termelétricas a gás já existentes nas diversas regiões do país. Portanto, ao contrário de alguns países europeus e do Japão que, em médio prazo, não têm melhor alternativa, o Brasil não precisa correr o risco de gerar em centrais nucleares a energia elétrica de que precisa ou precisará.
Joaquim Francisco de Carvalho é pesquisador associado ao IEE/USP e ex-diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear).
Ildo Luís Sauer é diretor do IEE/USP e ex-diretor de energia e gás da Petrobras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário