A propósito...! (Matéria do jornal Valor Econômico)
[PRIMEIRO CADERNO] - 04 de Outubro de 2010
Regional Sul 1 da CNBB trabalhou contra voto ao PT
Maria Inês Nassif De São Paulo
Incrustado na Zona Sudeste da cidade de São Paulo, o Parque São Lucas esconde a única igreja do Brasil
da Congregação do Oratório São Filipe Neri. Fundada pelo padre Aldo Giuseppe Maschi em meados do
século passado, a igreja até hoje realiza missas em latim, abolidas mundialmente pelo Concílio Vaticano II,
em 1963. Na sexta-feira, o jovem padre Paulo Sampaio Sandes rezou a missa da tarde, de costas para os
fieis, com a concessão ao português de três Aves Marias e uma Salve Rainha.
O coro, de cinco beatas, também preferiu o latim.
O padre Paulo faz parte de uma congregação tradicional, é contra o aborto, a união civil de homossexuais
e a adoção de crianças por casais de homossexuais.
Entendeu a recomendação da Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) como
uma ordem: expor, na homilia, no dia da eleição, o suposto veto da Igreja Católica à candidata Dilma
Rousseff (PT), estendido a todos os candidatos do Partido dos Trabalhadores, e distribuir, na saída da
missa, a carta onde explicitamente a regional descarta o voto católico nos candidatos que defendem o
aborto, em especial, e nomeadamente, nos petistas. “No dia das eleições eu vou distribuir a carta lá fora,
mas a carta é muito explícita em relação aos candidatos, não vou falar o nome deles na homilia”, disse o
padre, depois da missa, confessando constrangimento com a determinação da Regional. “O próprio Dom
Odilo Scherer diz que não devemos falar de nomes de candidatos”.
A recomendação da Regional Sul 1, que abrange as dioceses do Estado de São Paulo, foi uma “trama”,
segundo o bispo de Jales, Demétrio Valentini, da Regional Sul I da CNBB, urdida de forma a induzir os
fiéis paulistas a acreditarem que a CNBB nacional impôs um veto aos candidatos do PT nessas eleições.
“Estamos constrangidos, pois a nossa instituição [a Igreja] foi instrumentalizada politicamente com a
conivência de alguns bispos”.
A regional, que abrange as dioceses do Estado de São Paulo, recomendou às paróquias que distribuíssem o
“Apelo aos Brasileiros”, uma longa carta em que acusa o PT de, mancomunado com o “imperialismo
demográfico” representado por fundações norte-americanas que financiam programas de controle
familiar, apoiar o aborto, e pediu aos padres que “alertassem” os fiéis para não votarem na candidata a
presidente Dilma Rousseff, nem em qualquer outro petista. “A Presidência e a Comissão Representativa
dos bispos do Regional Sul 1 da CNBB, em sua reunião ordinária, acolhem e recomendam a ampla difusão
do apelo a todos os brasileiros e brasileiras elaborado pela Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul
1”, dizem o site da regional e o site da diocese de Guarulhos.
O presidente da Sul 1 da CNBB, Dom Nelson Westrupp, não respondeu a questões que foram enviadas
pelo Valor por e-mail por orientação da sua assistente, Irmã Maurinea. O bispo de Guarulhos, DomLuis
Gonzaga, um dos articuladores do movimento antipetista na Igreja, em julho, no artigo “Dai a César o que
é de César e a Deus o que é de Deus”, recomendou “aos verdadeiros cristãos católicos” não votarem em
candidatos que apoiam o aborto e, em especial, recusarem o apoio a Dilma e ao PT.
Do ponto de vista da hierarquia católica, a recomendação e o documento dos dirigentes da Regional Sul
da CNBB não têm validade. No dia 16, a Conferência deixou claro isso, numa nota oficial: “Falam em
nome da CNBB somente a Assembleia Geral, o Conselho Permanente e a Presidência. O único
pronunciamento oficial da CNBB sobre as eleições/2010 é a Declaração sobre o Momento Político
Nacional, aprovada pela 48a Assembleia Geral da CNBB, deste ano, cujo conteúdo permanece como
orientação neste momento de expressão do exercício da cidadania em nosso País”, diz. O
cardealarcebispo de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer, em 20 de agosto, enviou um comunicado a
todos os padres de dioceses esclarecendo que os representantes da Igreja não devem se envolver
publicamente na campanha partidária, nem “fazer uso instrumental da celebração litúrgica para expressão
de convicções político-partidárias”. Sugere que orientem os fiéis a votarem em candidatos afinados com
os princípios cristãos, “sobretudo no que diz respeito à dignidade da pessoa e da vida, desde a sua
concepção até à sua morte natural”, mas alerta para que não indiquem nomes.
Dom Demétrio Valentini, bispo de Jales, foi o bispo que reagiu de forma mais direta e clara ao que chama
de “trama” da Regional Sul 1 da CNBB. À sua diocese, tem encaminhado sucessivos artigos contra o
documento da regional. “Não é bom para a democracia que alguns decidam pelos outros (...) Mas é pior
ainda para a religião, seja qual for, pressionar os seus adeptos para que votem em determinados
candidatos, ou proibir que votem em determinados outros em nome de convicções religiosas (...) Portanto,
seja quem for, bispo, padre, pastor, ninguém se arrogue o direito de decidir pela consciência do outro,
intrometendose onde não lhe cabe estar”, no artigo “Pela liberdade de consciência”, divulgado no dia 19.
A CNBB nacional acabou encerrando sua participação no episódio com a nota em que desautoriza
qualquer decisão contrária à da Assembleia Geral, que não vetou candidatos ou partidos. A direção da
Conferência está em Roma. Em São Paulo, remanescentes da Igreja progressista estão pasmos. “Nunca
houve uma campanha eleitoral com tanta manipulação da religião”, lamenta um deles, lembrando que isso
aconteceu também, e fortemente, com a Igreja Evangélica.
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