quinta-feira, 28 de outubro de 2010

“Carta aberta a um colega universitário”

“CARTA ABERTA a um colega universitário que declara anular seu voto no segundo turno e que me explica, em mensagem pessoal, suas razões para isso e para não assinar o MANIFESTO EM DEFESA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA”

Dilma Roussef e José Serra não são a mesma coisa. Existem razões claras e objetivas para que votemos em Dilma e para que repudiemos com todas as nossas forças a candidatura do Senhor José Serra. Seguem, abaixo, algumas considerações sobre as diferenças entre ambos, que fiz em carta a um colega e agora torno pública.

Caro amigo e colega professor universitário,

Permito-me tratá-lo assim, afinal conhecemo-nos há muitos anos.

Quero ser sincera com você, e começo deixando claro que respeito sua opinião. E como sou pessoa honesta, digo mais: reconheço que você tem toda razão quanto às “barbaridades” que aponta em sua mensagem (refiro-me às alianças espúrias do PT, por exemplo). Penso que sempre devemos manter o espírito crítico em relação a tudo, portanto também em relação à política de Lula e aos posicionamentos do PT ao longo dos oito anos de mandato que agora findam.

Gostaria contudo de lhe dar uma resposta, para explicar um pouco meu ponto de vista.

Você se espantou pelo fato de eu classificar o Senhor José Serra e seus aliados de “ultra-conservadores”. Você me diz que estes são tão ultra-conservadores como certos aliados do PT. Pois mantenho o epíteto com grande convicção. O Senhor Serra conseguiu a proeza de se aliar a gente ainda pior do que aqueles que você citou em sua resposta. Você evocou as alianças do PT com os Senhores Sarney, Barbalho, Renan Calheiros. Ora, Serra é aliado da Opus Dei, da T.F.P., de Jorge Bornhausen, da senadora Kátia Abreu e sua bancada de ruralistas, etc. (poderíamos continuar a enumeração). Ultra-conservador também pelo fato de ter abraçado (hipocritamente, todos sabemos), a edificante causa do “aborto”, lançando mão de métodos que nos vêm da extrema-direita estadunidense. Poderia dar outros exemplos, mas não vou escrever aqui um documento exaustivo sobre a campanha de esgoto levada pelo PSDB, campanha esta que difere daquela que é feita pela candidata Dilma Rousseff, que tem realizado, sim, uma campanha digna, decente, sem lançar mão de métodos mafiosos (o submundo da política brasileira). Apenas essa diferença nas campanhas já é repleta de significado para mim. E para se informar sobre tal diferença, a documentação disponível na Internet é abundante. Se Dilma Rousseff não discute mais amiúde suas propostas, é porque se vê acuada pelo Senhor José Serra e seus acólitos, e precisa passar seu tempo a desmentir boatos e a fazer declarações contra o aborto. Isso me parece bastante claro nessa campanha.

Quanto aos aliados do PT, como certos políticos do PMDB, classifico-os mais propriamente como fisiologistas. E apresso-me a declarar que não defendo nem justifico o fisiologismo praticado por esses políticos. Forçoso é constatar que temos pouca margem, hoje, no Brasil, para escolher. E depois desta infame campanha do Senhor José Serra, nossas margens encolheram ainda mais, pois a sociedade brasileira – acuada por esses políticos sem nenhum escrúpulo, no que contou com a providencial ajuda da grande mídia impressa e eletrônica – foi obrigada a incorporar em sua agenda “política” temas que nada têm a ver com os males que afligem de fato nosso país. Nossos problemas são outros, e de natureza bem diversa: vão desde a mais elementar das desditas, que é a FOME (milhões ainda não comem no Brasil), passando pela distribuição de renda, reforma fiscal, reforma política, necessidade de criar mecanismos que combatam a injustiça social que aqui é uma das mais infames do mundo, até a pauta da educação de qualidade, saúde para todos, problemas de infraestrutura, vergonhosa falta de saneamento básico, sem falar do gravíssimo problema da gestão das enormes riquezas nacionais recentemente descobertas, etc., etc., etc.

Em que pesem as críticas – críticas de alto nível são legítimas e imprescindíveis – ao PT e a Lula, continuo convencida de que haverá diferenças muito significativas entre um governo demotucano e um governo do PT/PMDB. E tais diferenças irão muito além da esfera do ensino público. Passam por outras questões igualmente importantes, entre as quais cito (repetindo-me) uma das mais aflitivas: a privatização do pré-sal, cuja exploração, desde que feita pelo Estado, pode nos dar a esperança de ver nosso país fazendo enfim um salto rumo ao desenvolvimento sólido e auto-sustentável (sou favorável à inclusão da pauta da auto-sustentabilidade em nossas preocupações, de modo realista e responsável). Quanto ao “Manifesto em defesa da Educação pública”, ele foi redigido por professores universitários, e tem um teor muito mais contra o Senhor José Serra do que pró-Dilma Rousseff. A proposta era relembrar um pouco das funestas realizações do candidato demotucano quando esteve no poder, tanto na esfera federal (como ministro do sinistro sociólogo Fernando Henrique Cardoso), quanto na estadual (como governador de São Paulo). O “Manifesto” também me parece concebido como exercício de memória, tão insuficientemente praticado em nosso país, como você bem sabe.

No que me diz respeito, assinei-o para tomar posição num momento em que a grande urgência nacional me parece, infelizmente, poder resumir-se a isto: o destino de nosso país não pode ser entregue nas mãos do Senhor José Serra.

Viva o Brasil!

Com minhas saudações, republicanas, laicas, sempre!

Flávia Nascimento

Professora de Teoria da literatura – UNESP

http://emdefesadaeducacao.wordpress.com/2010/10/27/carta-aberta-a-um-colega-universitario/#more-213

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