quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Hobsbawm e a América Latina

Por Bernardo Ricupero . 01.02.11 - 19h09

Hobsbawm e a América Latina

Brasileiros têm motivos de sobra para aguardar com ansiedade um futuro lançamento editorial: How to change the world: tales of Marx and marxism (Como mudar o mundo: histórias sobre Marx e o marxismo), de Eric Hobsbawm. O historiador, que está perto de completar 94 anos, ganhou sólida reputação e grande popularidade desde seu primeiro livro sobre rebeldes primitivos, seus trabalhos sobre o “longo século 19” e o “curto século 20” tendo tido um impacto difícil de imaginar para obras de história.

Numa época de crescente especialização, os livros de Hobsbawm chamam a atenção pela abrangência, sendo capazes, por exemplo, de analisar com propriedade tanto as causas da revolução Taiping na China como o significado da orquestra de Duke Ellington. How to change the world tem especial interesse entre os 16 livros do historiador, até porque, apesar de ser conhecido como marxista, não há muitos trabalhos sobre o materialismo-histórico publicados em inglês. É verdade que esse não é propriamente o caso no Brasil, onde a monumental História do marxismo, originalmente aparecida na Itália e da qual Hobsbawm foi editor, saiu com seus 11 volumes.

Isso talvez ajude a explicar um curioso comentário que o historiador marxista faz numa recente entrevista dada ao “The Guardian”. Depois de discorrer sobre assuntos como a crise financeira mundial, a volta de interesse em Marx e os distúrbios estudantis na Inglaterra, observa: “hoje, ideologicamente, sinto-me mais em casa na América Latina”. Explica que o motivo para essa atração é que a “velha língua do século 19 e 20”, do socialismo, ainda ser praticada no continente.

Depois de uma observação como essa, talvez se esperasse elogios a Hugo Chávez e sua revolução bolivariana ou a Evo Morales e seu Estado plurinacional, já que ambos são governantes declaradamente anticapitalistas, mas Hobsbawm prefere focar sua atenção na experiência reformista do Brasil de Lula. O que lhe chama a atenção no país é uma presumida semelhança do PT com os partidos social-democratas, surgidos no final do século 19 na Europa. Mais especificamente, o partido brasileiro, assim como seus congêneres europeus, impulsionados, em grande parte, pela ação de sindicatos, teria conseguido formar uma coalizão que reuniria trabalhadores, intelectuais e pobres em geral.

A sugestão de Hobsbawm sobre a semelhança do PT com os partidos social-democratas merece ser explorada. Até porque há algumas interessantes coincidências “formais” entre esses partidos. São partidos com origem externa, não parlamentar, têm forte ligação com o movimento sindical e se organizam ou organizaram como partidos de massa. Esses são, portanto, partidos muito diferentes dos conservadores e liberais da Europa e mesmo do PMDB e PSDB brasileiros, partidos de notáveis, cuja ação basicamente se restringe ao Parlamento. Mais importante, os partidos socialdemocratas e o PT foram, nos seus respectivos países, fundamentais para a incorporação política das classes subalternas.

Pode-se inclusive argumentar que o PT dos primeiros tempos, ao buscar organizar autonomamente a classe trabalhadora, procurava tanto romper com a tradição da esquerda brasileira como se aproximar da história da esquerda da Europa, lócus clássico da representação de interesse. Não por acaso, a crítica ao chamado populismo foi decisiva nos anos heroicos do petismo. A imagem que o partido sugeria sobre si era de uma novidade radical, que poria fim a anterior manipulação dos trabalhadores que teria marcado o país.

É evidente, porém, que os mais de cem anos que separam a experiência inicial da social-democracia do PT criaram ambientes sociais e politico muito diferentes. O mundo do computador e da internet dificilmente seria entendido por homens e mulheres da época da ferrovia e da indústria pesada. Além do mais, pouco tem em comum países que começavam a ser imperialistas com um que ainda faz parte da periferia capitalista.

Não menos significativo, a experiência do PT no governo tem se aproximado, em alguns pontos, do populismo. O que ocorre tanto no “estilo” da relação do líder com as massas, como em políticas que buscam arbitrar interesses conflitantes. Getúlio e Lula frequentemente interpelavam diretamente seus seguidores, além de, em seus governos, terem sido criados órgãos para que ocorra a representação de diferentes setores sociais no interior do Estado.

Ou seja, há tanto semelhanças como diferenças notáveis entre os partidos socialdemocratas europeus do final do século 19 e o PT brasileiro. Até porque os contextos sociais e históricos em que eles aparecem são muito diferentes. Mas isso o grande historiador que é Eric Hobsbawm sabe melhor do que ninguém…

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