Irno, ex-agente do DOPS gaúcho e seqüestrador de Lílian Celiberti, tenta hoje (quarta,25/05) recurso na Justiça para condenar testemunha da Operação Condor em 1978 em Porto Alegre.
O inspetor aposentado do DOPS gaúcho João Augusto da Rosa, codinome ‘Irno’, um dos seqüestradores em Porto Alegre dos uruguaios Universindo Díaz, Lílian Celiberti e seus dois filhos, Camilo e Francesca, tenta hoje (quarta, 25) um recurso na Justiça gaúcha para condenar o jornalista Luiz Cláudio Cunha.
Então chefe da sucursal da revista Veja na capital gaúcha, Cunha foi testemunha involuntária do sequestro, praticado em novembro de 1978, numa ação combinada de forças militares do Exército uruguaio e de policiais do DOPS do Rio Grande do Sul no âmbito da ‘Operação Condor’, organização clandestina integrada pela repressão das seis ditaduras do Cone Sul na década de 1970.
A desembargadora Marilena Bonzanini, da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho, relatora do processo, julgará o recurso de Irno a partir das 14h desta quarta-feira, 25, em conjunto com outros dois desembargadores: Íris Helena Medeiros Nogueira e Leonel Pires Ohlweiler.
O seqüestrador insiste na ação indenizatória que abriu, em 2009, contra o jornalista e a Editora L&PM que, em 2008, publicaram o livro Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios -- uma reportagem dos tempos da ditadura. O policial se considera injuriado pela história que o livro relembra, mas curiosamente não reagiu à cobertura de 86 semanas da revista Veja, entre novembro de 1978 e junho de 1980, com os detalhes escabrosos do sequestro praticado há 33 anos.
A séria de reportagens rendeu à revista, em 1979, os principais troféus de jornalismo do país, incluindo o Grande Prêmio Esso. A obra da L&PM, já em segunda edição, ganhou na categoria de livro-reportagem os dois principais prêmios literários do país — o Jabuti e o Vladimir Herzog —, além de Menção Honrosa do prêmio Casa de Las Américas, de Cuba.
MEMÓRIA DO SEQUESTRO
‘Irno’, que recebeu Cunha com uma pistola na cara no apartamento da rua Botafogo, no bairro Menino Deus, na tarde de 17 de novembro de 1978, foi reconhecido pelo jornalista e pelo fotógrafo J.B Scalco, da revista Placar, como um dos sequestradores dos uruguaios. O reconhecimento aconteceu na CPI da Assembleia Legislativa e na Justiça Federal, que condenou Irno em primeira instância.
O agente fazia parte da equipe comandada pelo homem mais importante do aparato repressivo no sul — o delegado Pedro Seelig. Ele, o delegado Sérgio Fleury (do DOPS paulista) e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (comandante do DOI-CODI da rua Tutóia em São Paulo) são os três nomes mais citados pela violência política no período da ditadura militar (1964-1985).
Seelig, chefe direto de ‘Irno’ e do escrivão Didi Pedalada, outro seqüestrador identificado pelos jornalistas, foi mais tarde reconhecido pelos uruguaios como o chefe das sessões de tortura em Lílian e em Universindo na antiga sede do DOPS, na avenida Ipiranga, na capital gaúcha. Pela repressão uruguaia, a sessão de pancadaria no DOPS era pessoalmente executada pelo major Glauco Yanonne, do Exército uruguaio.
O processo assinala um brutal contraste entre o Brasil e seus vizinhos do Cone Sul. Aqui, pátria da impunidade, o agente da repressão processa a testemunha de um sequestro binacional, enquanto a Argentina condena à prisão perpétua generais e presidentes militares, acusados de sequestros, desaparecimentos forçados, tortura e assassinato de aproximadamente 30 mil pessoas – incluindo bebês e crianças. Os delegados Seelig e Fleury (falecido em 1979) e o coronel Brilhante Ustra nunca foram submetidos à justiça, apesar das denúncias de tortura e violência reiteradas por ex-presos políticos e entidades de defesa dos direitos humanos.
DERROTA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA
A primeira tentativa de ‘Irno’ de inverter judicialmente a denúncia esbarrou na firme decisão de 6 de julho passado da juíza Cláudia Maria Hardt, da 18ª Vara Cível do Foro de Porto Alegre, que julgou improcedente a ação do seqüestrador do DOPS, que ela define como “triste episódio contado no livro... relato pertencente a um tempo ‘página infeliz da nossa história’, nas palavras do próprio Chico Buarque”. Trinta anos depois, na Justiça de Porto Alegre como testemunha de defesa de Cunha, Lílian Celiberti teve a chance — face a face, pela primeira vez após o sequestro —, de apontar João Augusto da Rosa (o ‘Irno’) como um dos seus seqüestradores. Confirmou tudo o que Cunha disse e escreveu na revista e no livro.
A juíza Cláudia Hardt afirma, em sua sentença final: “Não há que se olvidar os abusos cometidos pelas autoridades instituídas durante o período do regime militar brasileiro. São inúmeras as compilações históricas e os relatos dos que vivenciaram a etapa em que o país esteve distanciado da democracia. Inegáveis as arbitrariedades, os excessos e as violências infligidas a muitas pessoas. Também não se pode desconsiderar as restrições impostas à imprensa naqueles momentos em que muitos dos direitos irmanados com a dignidade humana e a liberdade foram deixados de lado”.
“Com efeito”, completa a juíza Hardt, “não se tolera a possibilidade de limitar a criatividade e a liberdade de escritores que, como o autor, dissertam sobre tema delicado e ainda marcado na historiografia brasileira, sob pena de estarmos igualmente constrangendo o espírito investigativo dos repórteres e de encobrirmos informações necessárias para a fundamentação de nossa consciência crítica”.
SERVIÇO:
Os telefones em Porto Alegre da 9ª Câmara Cível do TJ-RS, onde será julgado nesta quarta-feira (25) o processo n°70040534505, são (51) 3210-6144 ou 3210-6145.
O PABX do Tribunal de Justiça gaúcho é (51) 3210-6000.
O advogado do jornalista e da editora, Rogério Becker, atende no telefone (51) 3231-7366
Publicado em: 25/05/2011
do blog tortura nunca mais (aqui)
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