terça-feira, 10 de maio de 2011

Enquanto o gelo derrete a água está subindo

Análise a respeito das alterações do código florestal, política e valores. Tudo junto e misturado.

Enquanto o gelo derrete a água está subindo

Ahh a política. Uma das instituições mais antigas, e que mais evoluiu ao longo do curso da história humana, nos permitindo garantir um grau de organização que acredito, qualquer civilização alienígena com uma inteligência razoável (não sejamos ingênuos a ponto de achar que os universos inteiros existem só para nós, humanos) iria dizer: “é, eles estão tentando...”.
Entretanto, as instituições são compostas por homens, que no caminhar da democracia, modelo que elegemos como cérebro norteador de nossas ações no âmbito da tomada de decisão social, estão cooptados e representam grupos, não o bem estar coletivo de fato.
Desta forma, nossas instituições não dão conta de dar as respostas que necessitamos, não dão conta de suprimir a miséria, a fome, ou a degradação ambiental, inerentes de um metabolismo predatório de alta entropia (função da desorganização da matéria e energia) e que exaure recursos sem metas e objetivos a longo prazo, tudo em nome do bem estar do sistema financeiro, da estabilidade econômica, e do status quo. Leia-se, o status quo é a dominação através de alguma forma de poder. Em nossos sistema de valores, o poderio econômico cooptando as esferas institucionais, através de suas determinações e vontades políticas.
Esta crise que enfrentamos, não se trata apenas de uma crise econômica. Se trata de uma crise institucional que jamais conseguirá resolver os problemas que estas mesmas instituições criaram. É uma crise de consciência, uma crise de valores que cada vez mais se distancia de valores absolutos, como a justiça, paz, liberdade e amor. Valores estes que os bons cristãos tomam para si, mas não vêem as mesmas consciências em nossos iluminados representantes, eleitos à luz do voto dito consciente de uma nação, para que possam organizar o balaio de gato histórico que viemos construindo.
A história nos mostra que ocorrem rupturas em conjunturas extremas, onde o valor máximo que nos imbui a missão de lutar, acredito que seja aquilo que nos condena assim que nascemos. O valor da Liberdade. Nascemos livres, caminhamos em direção à masmorras. Vejamos as revoluções árabes recentes, tudo em nome da Liberdade. Caminhamos para construir uma organização social a partir das instituições, que nos coloca algumas privações de liberdade para teoricamente possibilitar a Paz, o Amor e a Justiça.
O dinheiro em nosso sistema se constitui como a única esfera possível que conseguiremos exercer a liberdade, mas constitui também um paradoxo. Numa análise última, trocamos nosso tempo de passagem na Terra por trabalho, e este nos é trocado por dinheiro, que nos permitiria as possibilidades de trocar pela liberdade (de consumo, viagem, a exploração do eu através de nossos centros de interesse, enfim, estar vivo no mundo como o criamos). Logo, quanto mais tempo de trabalho, mais tempo para a liberdade. Ledo engano...
Pois bem, cada uma destas instituições tece uma teia intrincada e complexa, que muitas vezes se encontra sob análise dos sentidos daqueles que pressentem falhas, que intuitivamente, emocionalmente, instintivamente e racionalmente sabem as limitações deste sistema.
Voltemos ao gelo que derrete rapidamente. O novo Código Florestal a ser votado no congresso, casa dos iluminados, fere ferrenhamente qualquer convenção assinada pelo Brasil em âmbito mundial, como a de Biodiversidade ou a do Clima, para não me alongar muito. A vida se trata de algo improvável, um sistema altamente organizado a partir do caos da energia vinda da estrela Mãe (organizando-a em baixíssima entropia) e alta sensibilidade e fragilidade. O Código Florestal se trata de um mecanismo concreto para proteger essa fragilidade e a manutenção da vida como a conhecemos, com toda a riqueza com valor intrínseco imensurável, além do valor genético ainda não explorado pela ciência.
Se nossas instituições produtivas não dão conta de alimentar todas as bocas que queremos, não podemos julgar, como faz falaciosamente Aldo Rebelo, relator das mudanças do Código Florestal, que seja culpa das leis ambientais. O ambiente realmente tem uma capacidade de suporte, limites para seu uso. Se nossas ações enquanto sociedade não permitem nossa manutenção, não devemos nem podemos flexibilizar as leis ambientais, e sim diminuir padrões de consumo de milionários ou oferecer mecanismos concretos de acesso à bens materiais.
Uma maneira de conseguir uma verdadeira proposta de desenvolvimento sustentável é através de uma reforma agrária que priorize a agricultura familiar, a produção de alimentos e a proteção ambiental, como é possível através do uso agro-ecológico (sistemas agro-florestais ou agro-silvopastoris ), empregando maior quantidade de pessoas no campo num contexto de reforma urbana, e garantindo o binômio segurança alimentar e biodiversidade, mantendo as funções ecológicas da paisagem como micro-climas, estabilidade do solo, corredores de fluxo gênico, em contraposição à agricultura extensiva de escala industrializada, que necessita dos insumos pois o desequilíbrio ecológico é inerente deste modelo agro-exportador latifundiário.
Os recursos naturais são finitos, e por definição, a economia deveria gerir esta escassez, garantindo a distribuição mínima desses bens para nossa sobrevivência, considerando a qualidade ambiental. O ambiente impõe limites, que nossa ignorância acerca dos fatos não pode se converter em compromisso político de deputados com um grupo minoritário e com enorme poder destes dentro dos estratos sociais brasileiros, os latifundiários.
Este erro pode ser vital para a saúde econômica, social e ambiental do país, o tripé que norteia o desenvolvimento sustentável, paradigma a ser seguido pelos países, numa tentativa de dar início a acertos, colocando o Brasil como uma potência de vanguarda que dê conta de gerir a escassez relativa, dentro de um território com tanta abundância de recursos.
A análise do risco e os princípios de incerteza acerca de mudanças globais me incitam a proclamar o pior jargão que já me foi dito: “pior que tá não fica”. Se assim está, e está a beira do colapso, não temos nada a perder. É imperioso reverter a tragédia anunciada, e isto se dá com vontade política e planejamento estratégico. Efetividade democrática, não interesses privados.
No fluxo de energia deste caos, à montante, no alto da acrópole, nossos iluminados representantes. A jusante, o povo padece das tragédias sócio-ambientais, assimilam e depuram todos os metabólitos sociais de um sistema frágil que não suporta mais desmandos de interesses mesquinhos e de grupos minoritários. A raiva e a fome é coisa dos Homens. Já proteção ambiental e políticas estratégicas não combinam com conservadorismo político. As instituições devem ter flexibilidade para mudar conforme as demandas e necessidade sociais mudam. Este é o papel do Estado, e não o berço de corrupção e lobbies ao bel prazer dos grupos econômicos que primeiro amaldiçoaram este paraíso, no tempo das caravelas e engenhos. Até quando insistiremos nos mesmos erros? Ao prazer de quem? À escravidão, sangue, suor e sofrimento de quem?

Gabriel Ferreira de Azevedo Clemente
Biólogo, humanista, ambientalista e libertário.
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Engenharia Ambiental - USP São Carlos.
10/05/2011

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