Boito: Marina é síntese de rentismo e ambientalismo contra o crescimento
por Igor Felippe, no Escrevinhador
Armando Boito Jr, professor titular de Ciência Política da Unicamp,
tem se dedicado a entender o movimento das frações de classes sociais
nos governos de Lula e Dilma Rousseff.
Para isso, Boito acompanha o posicionamento dos diversos segmentos da
classe trabalhadora e da burguesia para compreender as políticas
econômicas e sociais do governo federal.
O estudo de quem ganha e quem perde com as políticas do governo é
fundamental para entender os setores que sustentam, disputam e combatem a
chamada frente neodesenvolvimentista, de acordo com Boito.
No livro Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000,
organizado por Boito e Andréia Galvão, um artigo do professor da
Unicamp analisa a disputa entre o neoliberalismo, representado pelo
PSDB, e neodesenvolvimentismo, forjado sob os governos Lula e Dilma.
O fortalecimento da candidatura de Marina Silva, pelo PSB, é uma
novidade, já que quebra a polarização entre os partidos que disputam o
governo federal desde 1994 e representam os projetos que organizam as
forças sociais e econômicas.
“O discurso de Marina é contra a polarização PT/PSDB. Mas, de fato, o
que está ocorrendo é que ela está ocupando paulatinamente o lugar do
PSDB e mantendo, portanto, a polarização”, afirma Boito.
Segundo ele, há uma convergência objetiva de interesses entre
ambientalismo de tipo capitalista e a política econômica do rentismo
neoliberal, contra o crescimento econômico que sustenta o
neodesenvolvimentismo.
“Os ambientalistas porque imaginam que, assim, preservarão a
natureza; os rentistas porque querem conter os gastos do Estado para
aumentar o superávit primário e rolarem sem sobressaltos a dívida
pública”, analisa.
Abaixo, leia trechos da entrevista de Armando Boito ao blog Escrevinhador.
Eleições e o extraordinário
O PSDB é um partido eleitoralmente declinante. O seu programa não
fala, e não pode falar, às grandes massas. Como as pesquisas indicam, a
disputa, salvo acontecimento extraordinário, está entre Dilma e Marina.
Não podemos nos esquecer, contudo, que as manifestações de Junho de 2013
foram um acontecimento extraordinário e a queda do avião – de
propriedade até hoje suspeita e desconhecida – que transportava Eduardo
Campos em agosto, também. E foram acontecimentos que mudaram o processo
eleitoral.
A queda do avião foi providencial para a direita. Impossibilitada de
chegar ao poder com Aécio, a direita desembarcou na candidatura Marina.
Ela está juntando tudo: o Clube Militar, banqueiros, ecologistas,
pastores fundamentalistas, setores modernos da juventude de classe
média, oposicionismo ao PT…
Tem um partido pequeno e fraco, por isso maleável, uma imagem
flutuante, comportamento eleitoral oportunista e origem na
centro-esquerda. É o que a direita precisava para reverter o declínio
eleitoral.
Dilma, frente da burguesia interna e setores populares
A candidatura Dilma representa a grande burguesia interna e tem apoio
na maior parte dos setores populares organizados – sindicatos,
movimentos de moradia, movimentos pela terra – e desorganizados – a base
dispersa de trabalhadores marginais beneficiária dos programas de
transferência de rendas. Daí, a sua política neodesenvolvimentista
acoplada a uma política social moderadamente distributivista.
Grande capital e Aécio
A candidatura Aécio representa o grande capital internacional, os
setores da burguesia brasileira atrelados a esse capital e a alta classe
média. Daí o seu programa neoliberal ortodoxo e a sua rejeição aos
investimentos produtivos do Estado e às políticas sociais
distributivistas.
Perspectivas para a cidadania
O neoliberalismo e o neodesenvolvimentismo entretém relações
distintas com os movimentos de reconhecimento da cidadania de negros,
mulheres e homossexuais. O campo neodesenvolvimentista é aberto à luta
pelo reconhecimento de negros, de mulheres e do movimento LGBT,
enquannto o campo neoliberal ortodoxo é mais fechado a essas lutas,
principalmente à luta da população negra que ameaça os privilégios da
alta classe média nas grandes universidades e no serviço público.
Efeito colateral do sistema político
Os campos neodesenvolvimentista e neoliberal e seus respectivos
partidos guardam uma relação orgânica, isto é, mais sólidas – o que não
significa que tudo esteja separado de maneira estanque como poderia
sugerir a rápida síntese que fiz acima. São relações sedimentadas ao
longo de anos. Com Marina Silva, a situação é mais complicada. A sua
candidatura é resultado da complexidade da disputa política-eleitoral.
Marina, casamento do capital com o ambientalismo
Marina Silva não tinha, inicialmente, nenhuma relação orgânica com a classe dominante.
Ela representava o ecologismo de tipo capitalista de setores da
classe média. Foi no jogo eleitoral que que a sua candidatura veio a se
vincular com o grande capital internacional. Esse vínculo, contudo, não é
aleatório. Há uma convergência objetiva de interesses entre
ambientalismo de tipo capitalista e a política econômica do rentismo
neoliberal.
Esse ambientalismo quer brecar o crescimento econômico e, por isso, a
política do rentismo lhes é mais favorável. Ambos, ambientalismo e
rentismo, elegeram o neodesenvolvimentismo como inimigo principal. Não
querem saber de investimentos públicos em estradas, portos,
hidrelétricas.
Os ambientalistas porque imaginam que, assim, preservarão a natureza;
os rentistas porque querem conter os gastos do Estado para aumentar o
superávit primário e rolarem sem sobressaltos a dívida pública. Essa é
uma convergência objetiva de interesses, é algo mais profundo que o fato
de a Marina Silva ser amiga política e pessoal da Neca Setúbal. O
discurso de Marina é contra a polarização PT/PSDB. Mas, de fato, o que
está ocorrendo é que ela está ocupando paulatinamente o lugar do PSDB e
mantendo, portanto, a polarização.
Contradições de um eventual governo Marina
Uma coisa é a candidatura e outra é o governo. Para pedir votos, o
candidato pode ser, pelo menos dentro de certos limites, uma
“metamorfose ambulante”; para governar, não. Um governo Marina Silva
teria de assumir posições mais firmes e tenderia, por isso, a entrar em
conflito com uma parte ou outra dos que atualmente apoiam a sua
candidatura. Seu apoio mais sólido é o grande capital internacional e o
capital financeiro. Mas, provavelmente, seria um governo instável.
Obstáculos de um novo governo Dilma
A frente política neodesenvolvimentista está sim em crise. Mas estou
falando de uma crise política e não de uma crise econômica, embora seja
verdade que a queda do crescimento é um dos fatores que explicam a crise
política da frente neodesenvolvimentista. A frente
neodesenvolvimentista é muito heterogênea e sempre foi atravessada de
contradições.
Na conjuntura atual, essas contradições internas se exacerbaram e,
ademais, o campo neoliberal ortodoxo iniciou uma ofensiva restauradora. A
queda do crescimento, a proximidade das eleições, o crescimento das
demandas populares, as divisões no seio da grande burguesia interna e a
pressão do imperialismo, tudo isso contribuiu para desestabilizar a
frente neodesenvolvimentista e encorajar a ofensiva restauradora do
grande capital internacional e de seus aliados internos.
Afastamento da burguesia do governo
O fato de o neodesenvolvimentismo ter surfado na onda do boom das
commodities, abandonando a proposta inicial mais ambiciosa – e também
mais complexa – de reindustrialização do país, afastou a burguesia
industrial do governo e reduziu a capacidade de a economia gerar
empregos de alta qualificação, decepcionando a juventude de classe média
que cursou universidades – esse descontentamento apareceu em primeiro
plano nas manifestações de junho de 2013.
Ofensiva do grande capital
As contradições ativas na crise política se desenvolveram de modo
desigual. Enquanto as demandas do movimento popular expressam-se, ainda,
em lutas reivindicativas, isto é, sem um programa político
democrático-popular que os unifique, a ofensiva restauradora do grande
capital internacional e de seus aliados internos é uma ofensiva
política.
Eles têm programa, partido e, com Marina, uma candidatura viável. São
eles, e não o movimento popular, que têm condição de substituir o
neodesenvolvimentismo. E o que colocarão no seu lugar será um programa
contrário aos interesses da população trabalhadora e aos interesses
nacionais.
Limites do movimento popular
Atualmente, o movimento popular, como disse acima, está, enquanto
movimento de massas, no nível da luta reivindicatória. Emprego, salário,
moradia, terra: temos aí uma gama de reivindicações, cristalizadas em
movimentos específicos e mais ou menos estanques. Esses movimentos não
têm um projeto de poder. Falta aos movimentos populares consciência
revolucionária e organização política. O que podem fazer agora é
combater o inimigo principal: o grande capital internacional e seus
aliados internos representados no PSDB e, cada vez mais, na candidatura
Marina Silva. Se perderem essa batalha, até a luta reivindicatória
poderá sofrer enorme retrocesso.
Campanha por uma Constituinte do sistema político
Essa campanha foi organizada pela parte da sociedade cujos interesses
estão alijados do sistema político. O presidencialismo brasileiro é
autoritário, a mídia é monopolizada e funciona como partido político da
direita, temos o financiamento empresarial de partidos e candidatos, não
há mecanismos de consulta e de participação popular nas decisões
governamentais, enfim, temos um sistema politico fechado.
O plebiscito pela Constituinte exclusiva e soberana do sistema
político visa a mudar esse sistema com participação popular. Se acumular
força e lograr impor a convocação de uma Constituinte desse tipo,
daremos um grande passo na superação da democracia atrasada e elitista
que é a democracia brasileira. Aliás, diga-se: a única candidatura que
demonstrou algum interesse em tal Constituinte foi a candidatura Dilma
Rousseff.
PS do Viomundo: O título deste artigo é uma
tradução livre do jornalista Igor Felippe a partir das considerações do
professor Armando Boito, da Unicamp. O Itaú representa o rentismo. E a
corporação ambiental WWF, o ambientalismo capitalista. Ambos são contra
o Estado e o crescimento econômico.
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