segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Carta do VII Congresso Brasileiro de Agroecologia

Carta do VII Congresso Brasileiro de Agroecologia

O VII Congresso Brasileiro de Agroecologia, reuniu em Fortaleza-CE 2.624
profissionais do ensino, da pesquisa e da extensão, estudantes,
agricultores e agricultoras de todo o Brasil para debater o tema “Ética na
Ciência: Agroecologia como Paradigma para o Desenvolvimento Rural”. A
definição deste tema para o nosso Congresso partiu da constatação de que
as instituições científicas em nosso país vêm sendo cada vez mais
utilizadas como instrumento de legitimação de decisões políticas que
aprofundam um modelo de desenvolvimento insustentável, que acentua as
desigualdades sociais e destrói a base de recursos naturais necessária à
Vida.

A forma como os temas dos agrotóxicos e dos organismos geneticamente
modificados vêm sendo tratados pelas instituições do Estado atenta contra
os mais fundamentais princípios da prática científica. Denunciamos e
repudiamos o emprego da Ciência a serviço de interesses privados que
atentam contra a Vida. As regras de funcionamento da CTNBio contrariam a
biossegurança e o Princípio da Precaução tendo em vista que suas decisões
não são tomadas levando em consideração estudos independentes da tutela
dos interesses comerciais. O mesmo se aplica à liberação de agrotóxicos
proibidos em outros países com base em fundamentação científica, mas que
permanecem sendo utilizados com a autorização e incentivo do Estado
brasileiro.

Afirmamos que o princípio Ético de defesa da Vida e do meio ambiente deve
pautar a ação do Estado e de suas instituições e isso só se concretizará a
partir do reconhecimento oficial e da internalização do paradigma
agroecológico nas políticas públicas.

Nesse momento em que o governo federal se propõe a construir uma Política
Nacional de Agroecologia de forma participativa, suas instituições devem
implementar mudanças estruturais no mundo rural e políticas públicas
capazes de consolidar a agricultura familiar camponesa e os princípios da
Agroecologia como fundamentos de um novo modelo de desenvolvimento rural e
agrícola.

Neste sentido, o VII Congresso Brasileiro de Agroecologia afirma que:

- A massiva redistribuição da terra e a garantia ao livre acesso aos
recursos naturais como condições primeira para o desenvolvimento rural
sustentável. Nesse sentido, o governo federal deve retomar a agenda da
reforma agrária e assegurar os direitos territoriais de populações
tradicionais que vêm sendo violados pela expansão do agronegócio e de
grandes projetos de infraestrutura. Ademais, é urgente a necessidade de
revisão dos índices de produtividade da terra, de modo a assegurar a
função socioambiental da propriedade privada e o cumprimento dos
dispositivos constitucionais.

- As políticas para o fortalecimento da agricultura familiar devem ser
radicalmente reorientadas visando garantir a sua autonomia em relação ao
capital industrial e financeiro, o que significa a promoção de processos
massivos de transição agroecológica.

- As modificações propostas para o código florestal representam um
retrocesso da legislação ambiental brasileira e para o futuro da
agricultura camponesa, criando condições para o avanço de um estilo de
agricultura insustentável que só beneficia a uma pequena elite
descomprometida com a nossa sociedade, não expressando nenhuma
solidariedade para com as futuras gerações. Diante disso, exigimos que a
presidência da República vete as modificações aprovadas pelo Congresso
Nacional.

- O Programa Brasil sem Miséria direcione para a oferta de sementes
crioulas e variedades ao invés de incentivar o uso de OGMs na Agricultura
Familiar Camponesa. Exigimos a implementação de políticas e ações que
impeçam a contaminação genética, uma vez que a convivência, na prática se
mostra impossível. Exigimos a manutenção da obrigatoriedade do
monitoramento dos OGMs liberados comercialmente.

- A mercantilização da natureza, mediante a noção de mercados verdes, como
vêm sendo concebida a posição oficial brasileira para a Conferência
Rio+20, é incompatível com o primado da Ética e com o desafio da
construção da sustentabilidade. Assim sendo, exigimos que o governo
brasileiro reformule sua posição a partir de fundamentos agroecológicos,
assegurando com isso a conciliação da conservação ambiental, o controle de
emissões de gases de efeito estufa e o desenvolvimento econômico e social.

- A política pública de ATER deve reintroduzir o enfoque agroecológico
como eixo orientador das ações patrocinadas pelos governos, o que não pode
ser confundido com mudanças técnicas pontuais visando apenas à conquista
de nichos de mercado orgânico. Cobramos do MDA a realização da primeira
Conferência Nacional e de conferências estaduais e territoriais de
Assistência Técnica e Extensão Rural, assegurando um amplo e democrático
debate que contribua para a mudança da concepção de ATER e para a
qualificação dos aspectos legais e operativos inerentes às atividades de
Assistência Técnica e Extensão Rural.

A educação em Agroecologia vem experimentando um avanço significativo nos
últimos anos o que se materializa na construção de cursos em Agroecologia
(ou com ênfase no tema) nos diferentes níveis de formação. Isto é fruto da
luta histórica dos movimentos sociais e as recentes políticas públicas
para a educação. Frisamos que a consolidação destas iniciativas emerge do
diálogo permanente entre conhecimentos acadêmicos e populares, onde se
destaca o protagonismo dos agricultores e agricultoras e suas
organizações. Isto tem sido possível em função de uma pluralidade
metodológica que valoriza diferentes estratégias para inserção do enfoque
agroecológico nas instituições de ensino.

Neste sentido, propomos:

Que o governo federal promova a ampliação e consolidação da rede de
Núcleos de Agroecologia das diversas instituições de ensino, por
considerar seu papel estratégico na dinamização e promoção do enfoque
agroecológico;
Que o Governo Federal, através de suas instituições de apoio e fomento à
Ciência, Tecnologia e Inovação crie áreas temáticas em Agroecologia,
promovendo a produção de conhecimento científico e tecnológico com enfoque
agroecológico;

Que o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico voltem a patrocinar editais para
o apoio a pesquisa, ensino e extensão voltadas a processos de transição
agroecológica.

- As Instituições públicas de pesquisa agropecuária devem incorporar a
abordagem agroecológica na produção e socialização de conhecimentos,
superando a noção clássica de Pesquisa & Desenvolvimento, assim como
enfoque de Transferência de Tecnologias que vêm bloqueando a inovação das
práticas de pesquisa, em particular a sua interação com os agricultores e
agricultoras e suas organizações para o estabelecimento de diálogos de
saberes.

- As discussões continuam evidenciando que a Agroecologia não cumprirá seu
propósito de ser uma referência para o desenvolvimento rural equitativo e
sustentável se não se ocupar, na teoria e na prática, do reconhecimento
das contribuições das mulheres e das questões que dificultam a sua
participação como sujeitos plenos de direitos, tanto na vida social, como
na atividade produtiva, e na construção do conhecimento agroecológico.
Reconhecendo a importância da questão, foi criado pela ABA um Grupo de
Trabalho sobre Gênero.

Manifestamos nosso apoio a “Campanha Nacional Contra o Uso de Agrotóxicos
e pela Vida” e a “Campanha Por um Brasil Ecológico e Livre de Transgênicos
e Agrotóxicos”.

A ABA permanecerá atenta e atuante na defesa das propostas e princípios
expressos nesta carta.

Fortaleza (CE), 15 de dezembro de 2011.

http://www.cbagroecologia.org/carta-do-vii-

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